top of page

Funcionalismo Orgonômico II

Decidimos com boas razões estabelecer a excitação bioenergética como princípio comum de funcionamento da carga energética e das sensações. Mas isto é insuficiente se nossa ordenação deve ser útil. As funções “excitação”, “carga” e “sensação tem relações com diferentes domínios científicos – como biologia, eletrofísica e psicologia. Neste momento, é de decisiva importância para o progresso do desenvolvimento lógico do funcionalismo Orgonômico descobrir qual propriedade básica da natureza está expressa nessas três diferentes funções. A ordenação lógica formal deve ser preenchida por um processo natural concreto, acessível aos nossos órgãos dos sentidos e aos nossos instrumentos de experimentação, se não desejamos permanecer atolados na lógica formalista e na esquematização. A fim de satisfazer as exigências de nossa técnica funcional de raciocínio, devemos evitar dois vieses diferentes:

 

Se descrevemos as qualidades de um processo natural sem ordena-las logicamente, alcançamos o conhecimento dos fatos mas não as sua conexões funcionais. Se ordenarmos os fatos mecanicamente sem ajusta-los concretamente às funções que os integram numa unidade orgânica, por exemplo, num organismo vivo, somos vitima do formalismo lógico. O primeiro viés está representado pelo empirismo, o segundo pela matemática abstrata. O funcionalismo perde seu valor comoinstrumento de raciocínio se os fatos não seguem a lógica funcional , e se a lógica funcional não se faz acompanhar por observações concretas . Forma econteúdo , desenvolvimento e produto , o “COMO” e o “QUE” formam dois ramos básicos de variações do princípio comum de funcionamento do pensamento funcional.

 

Qual é, então, o processo natural concreto que integra excitação bioenergética, carga , e sensação na unidade funcional de um “sistema vivo” ou “organismo”? Se estudarmos detalhadamente as três funções, descobriremos que tem somente uma única qualidade em comum: MOTILIDADE ESPONTÂNEA .

 

• Os estados psíquicos de ansiedade e prazer são experimentados como funções concretas da motilidade. Experimentamos diretamente o prazer como um movimento de expansão, de ampliação; a ansiedade como o movimento de contração, como no medo, “retrair para dentro de si mesmo” na angústia, como uma “necessidade de explodir” ou “inquietação interior” no estado de ansiedade aguda. Gostaria de dizer neste ponto que não estou me referindo à qualidade “agradável” ou “desagradável” de dois estados de percepção, mas somente à sensação da motilidade. A palavra “movimento” expressa diretamente na linguagem diária o que realmente acontece no organismo: a pessoa sente “movida”. Esse “ser movido” pode ser forte ou fraco, agradável ou desagradável, mas é sempremovimento .

• A motilidade bioenergética está mais caracterizada pela par funcional de MOVIMENTO DE EXPRESSÃO e EXPRESSÃO DO MOVIMENTO. Todo movimento de um organismo vivo tem uma expressão compreensível, isto é, “ significativa ” e toda expressão corresponde a um movimento definido. A LINGUAGEM EXPRESSIVA do organismo está além da expressão verbal ; aprendemos como compreendê-la na orgonomia médica.

Observada no oscilógrafo, a motilidade interior é acompanhada pelos processos de carga e descarga. A característica de carga, igualmente válida quer centrípeta, como na ansiedade, quer periférica como no prazer, é mais uma vez movimento , desta vez o movimento do potencial da pele, sua “oscilação”. O movimento do potencial, visível como movimento do raio de luz a partir do espelho do galvanometro, pode ser rápido ou vagaroso, nesta ou naquela direção; pode ser repentino ou hesitante. O princípio comum de funcionamento de todos esses fenômenos, que expressam diferentes funções parciais, é sempre o movimento . É até mesmo possível compreender a parada de movimento, sua cessação, como um estado especial de movimento, como imobilidade . “Imobilidade psíquica” ou “ bloqueio do afeto”, como nos catatônicos, corresponde a esta parada no domínio das sensações. O princípio comum de funcionamento da motilidade está evidenciado nos domínios fisiológico e físico como movimento de carga .

 

Como princípio de funcionamento bioenergético , a excitação do organismo forma a base do movimento das sensações e do movimento de cargas. O que queremos dizer concretamente quando falamos de “ excitação bioenergética ”? Não podemos cometer o erro da descrição mecanicista e reivindicar a “compreensão” dos processos naturais quando os nomeamos e os catalogamos. Concretamente, de que está constituída a “ excitação bioenergética? ” Baseado em observações microscópicas dos protozoários, raízes, sementes de trigo, vermes transparentes, etc., a resposta é, mais uma vez:

 

A excitação bioenergética funciona visivelmente como MOVIMENTO do PROTOPLASMA. Esses movimentos podem ocorrer mais uma vez de modo rápido ou vagaroso, nesta ou naquela direção; podem ser hesitantes ou convulsivos. Estamos sempre nos referindo à motilidade plasmática quando falamos de excitação bioenergética . Tipos específicos de motilidade plasmática correspondem a estados específicos de excitação; que descrevemos, por sua vez, com termos específicos, como “rápido”, “ansioso”, “hesitante”, “estagnado”, etc. Não somente o próprio princípio de motilidade, como também suas diferentes formas de expressão são comuns aos três princípios de funcionamento. Podemos igualmente aplicar, com propriedade, as palavras “hesitante” ou “ansioso” às sensações, ao movimento do potencial da pele e à motilidade plasmática de uma ameba.

 

Deste modo, o processo objetivo do movimento tem diferentes formas que nos dão uma impressão qualitativa distinta, como “ansiedade”, “avidez”, cautela, etc.Os movimentos bioenergéticos tem ou mostram expressões de movimento significativas . O “significado” das funções do vivo esteve até aqui nitidamente separado e incompatível com a “mecânica” de funcionamento do vivo. Ora, desde que tanto o “movimento” (mecânica) quanto o “significado” (psíquico) são funcionalmente derivados de uma única função bioenergética, o movimento expressivo plasmático ou EXPRESSÃO EMOCIONAL, o profundo abismo entre qualidade e quantidade, psíquico e físico, é superado nas profundezas da substância viva “MOVENTE”. Observem atentamente que a linguagem apreendeu esta identidade funcional muito antes de o intelecto humano conseguir formulá-la cientificamente:

 

O protoplasma vivo esta se “movendo” no sentido físico bem como no emocional da “expressão significativa”. Uma pedra diante do pé de uma pessoa que começou a se ”mover” repentinamente seria certamente um acontecimento “mobilizador” para o observador.

 

A partir deste ponto podemos avançar em nossas formulações funcionais.

 

• A motilidade espontânea como o princípio do funcionamento abrangente (PFA) do vivo forma o ponto de partida de uma série de possibilidades para a pesquisa científica:

• A motilidade biológica está caracterizada pela INTENSIDADE de sensações e pela QUANTIDADE de cargas bioenergéticas. Intensidade e quantidade são funções diferentes que condicionam uma a outra e que não são funcionalmente idênticas no PFA do movimento .

 

 

 

A motilidade bioenergética está também caracterizada pelos processos químico-físicos, pelo movimento dos íons nos fluídos do corpo, pela ação de corrente no coração e músculos, pelo movimento nas combinações químicas, etc., e pelo movimento das sensações. A este último obviamente pertence o fenômeno da sensação de DURAÇÃO no ego.

 

• A totalidade do organismo, com motilidade espontânea como seu princípio de funcionamento abrangente, está caracterizada mais uma vez somática e fisiologicamente por uma unidade das diferentes funções dos órgãos, de um lado, e pela percepção subjetiva do ego, de outro. Percepção do ego é composta de diferentes percepções de órgão e forma uma unidade indivisível. Onde as funções somáticas dos órgãos perdem integração, em sua unidade, as doenças do corpo aparecem. Por exemplo, um tumor no cérebro exclui o cérebro da função total do organismo. De modo semelhante, uma ilusão esquizofrênica exclui uma parte da percepção de órgão da percepção unitária do ego. A bem conhecida dissociação da personalidade afetiva é uma conseqüência exatamente descrita pelo termo ESQUIZOFRENIA. Assim, somos capazes de aplicar um novo critério para o julgamento da “saúde” e “doença” biológicas.

 

A totalidade não perturbada das funções organísticas tanto no domínio somático quanto no psíquico estabelece a “saúde” ou “normalidade” no sentido bioenergético. Qualquer distúrbio nesta totalidade e unidade; no domínio somático ou psíquico, será a base da doença num grau maior ou menor. A partir deste ponto, a trajetória conduz à patologia médica, que só pode ser uma patologia funcional se pretende tratar o organismo como uma unidade biológica.

 

O mais importante campo de pesquisa estará aberto para nós se neste ponto perguntarmos com coerência lógica:

 

Sobre o que está baseada a motilidade do organismo ? Ou, dito de outro modo, O QUE SE MOVE? Pois esta motilidade, tão grande quanto seu domínio de funcionamento pode ser, não é nada definitiva, como os místicos e metafísicos supõem, mas deve ter uma origem, um princípio de desenvolvimento, um princípio de funcionamento. Podemos, e na verdade devemos , extrair esta conclusão lógica e colocar o vivo com seu princípio de funcionamento de motilidade numa estrutura de funcionamento do movimento ainda mais ampla. Devemos compreender em princípio a própria motilidade do vivo como variação de funções naturais de movimento ainda mais simples , mesmo se não formos capazes de preencher este princípio formal de raciocínio comum único fato concreto. Pois, repetindo, começar com consistência em nosso raciocínio é sempre mais importante que o fato.

 

Neste ponto, devemos sistematizar o conceito da “EMOÇÃO”, que na psicologia e medicina atuais governa um amplo domínio, a fim de preparar o caminho para as investigações concretas subsequentes. A palavra “emoção” é comumente empregada como intercambiável com a palavra “sentimento” ou “afeto”. Isto significa que está limitada ao domínio psíquico. Sem a menor dúvida , esta limitação repousa na equação do psíquico com o biológico, que, como vimos, é errada. Devemos supor que o animal humano formulou a palavra “emoção” baseado nas suas percepções de órgão. Sem trazer qualquer prova etiológica, podemos concluir que ao fazer isto ele simplesmente descrevia seu estado interior de “motilidade”. Mas nesse caso, o conceito “emoção” não pode ser limitado ao domínio do funcionamento psíquico (no sentido de nossa técnica de raciocínio funcional) porque existem estados de movimento físicos e bioenergéticos . Que o processo emocional tem objetivamente um significado bioenergético e não somente psíquico emergirá claramente da apresentação dos resultados clínicos que estamos obtendo na orgonomia médica.

 

Temos designado a função de motilidade plasmática como o princípio comum de funcionamento abrangente de TODA a natureza VIVA. Segue-se logicamente que este princípio de funcionamento distingue o vivo como um domínio de funcionamento específico da natureza dos outros domínios de funcionamento. Neste ponto, podíamos estar satisfeitos com a apressada conclusão de que a natureza viva se distingue da não-viva, como uma água-viva de uma rocha no mar, pelomovimento . Essa conclusão nos traz novas dificuldades, porque há também movimento na natureza não-viva, como o movimento dos elétrons e planetas, o da superfície do oceano, a gravitação universal, etc. Teremos que definir ainda mais precisamente a função de motilidade do vivo, se desejamos penetrar além do domínio do vivo. Esta questão funcional é de maior importância. A resposta correta depende se podemos ou não integrar corretamente a natureza viva na não-viva.

 

REICH,Wilhelm. Funcionalismo Orgonômico. 1952

bottom of page