“A SUPERPOSIÇÃO CÓSMICA“
Capítulo I Palco e Campina O interesse básico no tema desta publicação é, antes de tudo, humano e não astrofísico. De que modo o homem está enraizado na natureza? É em torno desta questão que o tempo gira. É, sem dúvida, o funcionamento da energia orgone no raciocínio do homem que toca a humanidade.
A estrutura de caráter do homem, a história congelada de quatro a seis mil anos passados da sociedade humana, determinará o destino e as condições do homem no futuro próximo. Olhando à frente, através de um denso nevoeiro que durante muitas décadas tem obscurecido a visão do homem, o autor tentou extrair as últimas conseqüências do que aprendeu acerca do funcionamento humano durante um período de mais de 30 anos de íntimo conhecimento dos bastidores característicos do teatro público. Pouquíssimo do verdadeiro drama das lutas sociais da atualidade aparecerá, no entanto, nestas páginas. O autor não tenciona estudar o impacto dos acontecimentos dos bastidores sobre o desempenho no palco público. Pelo contrário, ele abriu a porta que conduz dos bastidores do teatro para os espaçosos campos e campinas que cercam o teatro dos assuntos humanos na atualidade. Observado das campinas, sob as estrelas cintilantes dos céus infinitos, o espetáculo no palco parece estranho. De certo modo, os céus infinitos nas noites silenciosas não parecem estar de acordo com o espetáculo no interior do teatro nem com o tema de performance . Tudo que pertence ao espetáculo parece distante, irreal, muito fora do lugar, se visto a partir de fora do teatro.
Por que o homem representa histórias de amor alegres, trágicas ou pornográficas no palco, com o auditório cheio de gente rindo, chorando ou vibrando com a luxúria, enquanto nas profundas florestas que envolvem as campinas os policiais estão ocupados em perturbar os silenciosos e ardentes abraços dos namorados? Isso não parece fazer sentido.
Este é apenas um exemplo pequeno e insignificante da grande discrepância e da variedade de absurdos na existência do homem. Não nos voltaremos para nenhuma das questões social, psicológica, biológica ou política, as quais foram profundamente tratadas pelo autor em escritos anteriores. O problema social parece não admitir qualquer tipo de exame dentro da esfera do pensamento e das ações do homem durante os últimos anos. Vamos, por esse motivo, tentar olhá-lo de fora.
O impulso para o presente estudo veio de algumas experiências perturbadoras no Centro de Pesquisa Orgonômica Infantil, fundado pelo autor com o propósito de estudar a natureza da criança recém-nascida. A pesquisa orgonômica aboliu completamente os limites entre os domínios bioenergéticos e astrofísicos, até então mantidos estritamente delineados pela ciência natural mecanicista e transgredidos apenas pelas experiências místicas, num modo inadequado ao factual. O recém-nascido aparece como um sistema energético que traz algumas leis cósmicas, de funcionamento definidas para o campo de atuação do homem, isto é, permanecendo com nossa analogia, com as crianças as leis cósmicas definidas passam através da porta que leva da campina e dos espaços abertos para o interior do teatro e para o palco do drama humano.
Todo movimento religioso na história do homem tentou, em vão, trazer a mensagem da profundidade emocional da campina para o interior do palco.
Tolerância, bondade, paciência, fraternidade, amor e paz estão, como elementos desse estado de alma sob estrelas cintilantes, contidos em todo credo religioso, mas no momento em que eles foram trazidos para o interior do teatro e para cima do palco, tornaram-se uma farsa e uma impostura. Por quê?
A astronomia tem estado continuamente em íntimo contato com esse mesmo estado de alma. Kepler trouxe a idéia de uma força viva, a vis animalis, que governa os céus bem como o organismo vivo sobre o palco. Mas ela não sobreviveu.
As constelações celestes eram, na Antigüidade, representadas de modo muito fantasioso por diferentes criaturas vivas – o escorpião, o urso e o peixe, Andrômeda e Hércules, etc. Desse modo, o homem sabia que, de certa forma, originou-se do céu para onde retornará após sua morte, como crê quase toda religião.
Durante séculos, o homem projetou sua própria imagem no céu, em diferentes deuses na forma humana, mostrando mais uma vez que acreditava que ele mesmo, de algum modo, tinha raízes nos céus.
Na crença do retorno da alma, da reencarnação (e os crentes não têm sido simples tolos, como as ressecadas pessoas do palco político que querem que acreditemos), o homem tem de algum modo procurado por uma realidade na qual se enraíze na vastidão do universo. Até agora em vão!
Em tempos recentes, o pensamento humano passou cada vez mais a supor que a idéia de uma lei natural, universal, e a idéia de “Deus” apontam para a mesma realidade. Os matemáticos abstracionistas, de Pitágoras aos modernos relativistas, têm, de certo modo, admitido que a capacidade humana de raciocinar está intimamente relacionada com as funções cósmicas. Na verdade, nenhuma ligação concreta entre a razão e o universo se tornou evidente. Além disso, a íntima conexão era uma suposição. O simples raciocínio parece ter corroborado essa íntima inter-relação entre a “mente” e o “universo”. Contudo, não é fácil compreender quais são essas ligações. A orgonomia tem contribuído com importantes insights para o esclarecimento desse enigma ao mostrar as transições do raciocínio para as emoções, das emoções para os instintos, dos instintos para as funções bioenergéticas, e das funções bioenergéticas para as funções físicas da energia orgone .
Desse modo, a força propulsora da pesquisa e a crença religiosa encontram-se em algum lugar nos vastos espaços. Mas tanto o raciocínio como a crença deturpam, instantaneamente, a clareza da experiência da campina quando ela é transferida para o palco humano. Por quê? Porque o homem é na campina um ser diferente daquele sobre o palco, provavelmente; mas essa resposta não é suficiente.
Agora, as fronteiras que separam a crença religiosa do raciocínio puro foram cruzadas, ou melhor, apagadas pela pesquisa do orgone . Ficou mostrado em O éter, Deus e Diabo que tanto a razão quanto a crença estão enraizadas no funcionamento orgonômico bioenergético do homem. Ambas estão enraizadas no mesmo domínio funcional.
Desse modo parece que todos os acontecimentos no palco estão, de certa maneira, enraizados nos acontecimentos da campina. Mas a raiz comum é ofuscada pelas mudanças precisas que ocorrem durante a passagem pela porta que conduz da vastidão da natureza para a estreiteza do palco. Do lado de fora, todas as coisas parecem ser UMA. Do lado de dentro, o próprio palco está claramente separado do auditório; do lado de fora, você pode aparecer como é; do lado de dentro, você tem de disfarçar sua verdadeira aparência com uma barba ou uma pose ou uma expressão de fingimento; do lado de fora, duas crianças num abraço profundo não surpreenderiam nem chocariam ninguém; do lado de dentro, invocar-se-ia imediatamente a ação da polícia; do lado de fora, uma criança é uma criança, um bebê é um bebê, e uma mãe é uma mãe, não importa se na forma de alce ou de urso ou de ser humano; do lado de dentro, um bebê não é um bebê se a mãe não mostrar um atestado de casamento; do lado de fora, conhecer estrelas é conhecer Deus, e meditar sobre Deus é meditar sobre os céus; do lado de dentro, de certo modo, se você acredita em Deus, você não compreende ou se recusa a compreender as estrelas; do lado de fora, se você busca os céus, você se recusa, e com todo o direito, a acreditar na pecaminosidade do abraço natural; do lado de fora, você sente seu sangue latejando e não tem dúvidas de que alguma coisa está se movendo em você, e que essa coisa se chama emoção, e está localizada, sem dúvida alguma, no meio de seu corpo e próxima do seu coração; do lado de dentro, você não vive com todo seu organismo, mas apenas com seu cérebro, e não apenas é proibido estudar as emoções, como você é acusado de ser um adepto da frenologia e do misticismo se experimenta emoções do lado de dentro do mesmo modo que as experimenta do lado de fora.
Do lado de fora, há uma coisa como o movimento e a palpitação de tudo, desde a atmosfera até seus nervos; do lado de dentro, há apenas os espaços vazios e os átomos dissolvidos numa série infinita de “partículas”.
Paremos por enquanto: isso é suficiente para mostrar a grande discrepância.
Estamos nos movendo agora em direção aos espaços abertos para descobrir, se possível, o que o recém-nascido traz consigo para o palco humano. Esse estudo lidará, entre outras coisas, com furacões, com a forma das galáxias e com o “anel” da aurora boreal. Isso surpreenderá o leitor, e ele, inevitavelmente perguntará: o que um bem conhecido e eminente psiquiatra tem a ver com furacões, galáxias e aurora boreal? Não será isso prova suficiente da notícia de que ele estava “pirado” alguns anos atrás, após ter atingido um alto grau de distinção no campo da psiquiatria? Não era o escritor quem estava “pirado”, mas o leitor que pensa desse modo. Esqueceu sua origem e se recusa a ser incomodado no gozo do fingimento do espetáculo do palco. Ele tem-se recusado a deixar o teatro e a seguir-nos através da porta para a vasta campina, donde todos os seres se originaram.
Ele não percebeu que o recém-nascido não pode possivelmente ser compreendido do ponto de vista da cultura em que nasceu. Ela é seu futuro, e ele só pode ser compreendido a partir de onde veio, isto é, de FORA do palco.
Furacões, galáxias e aurora boreal interessam a um ser humano que lida com o doente mental e com os recém-nascidos, se ele segue consistentemente o fio vermelho da investigação e do raciocínio que conduz da aparência externa da observação desimpedida de comportamento do homem para sua origem no domínio do funcionamento cósmico. As pessoas que desejam ficar do lado de dentro e se recusam a mover-se para o lado de fora têm, naturalmente, o direito de fazer isso. Mas elas não têm o direito de julgar a experiência das pessoas que não acreditam na racionalidade do espetáculo no palco, que se recusam a aceitar o dogma de que aquilo que o homem mostra do lado de dentro do estreito espaço do palco é seu ser verdadeiro e sua verdadeira natureza. As pessoas que permanecem sentadas no seu lugarzinho seguro não têm nenhum direito de julgar o que o andarilho do lado de fora experimenta, vê, cheira, vive.
Nenhum morador da Rua 32 que nunca deixou Nova York ousaria julgar o relatório de um explorador do Pólo Norte. Contudo, mesmo sem ter-se preocupado em espiar através da fechadura da porta, ele usurpa o direito de julgar as experiências da orgonomia, que funciona bem distante de seu pequeno e estreito palco. Deixemo-lo ser modesto e confinar-se em seu pequeno mundo. Numa demonstração de autoritarismo, livremo-nos dele e não lhe permitamos ter opiniões sobre coisas que nunca sonhou em se aproximar. Ele pode ser uma autoridade no palco do teatro, um crítico bem treinado da peça ou pode ser um ator desempenhando o papel de um professor de biologia ou astronomia. Mas em todos os casos ele está dentro do teatro. E a menos que caminhe para a campina e olhe em torno de si, vendo o que é para ser visto nos espaços abertos, é melhor que ele permaneça quieto e sentado confortavelmente onde está. Ninguém irá condená-lo. Do lado de fora, contudo, ele não é nenhuma autoridade. Não há barbas falsas do lado de fora, há apenas seres humanos procurando e indagando acerca de sua origem e por que estão aí.
Devemos ficar contentes ao pegar sua mão e levá-lo para a noite, onde aprendemos primeiro a ver e a sentir o que tencionamos medir. Devemos estar felizes ao fazermos isso. Mas deixemos primeiro que ele remova sua falsa barba de dignidade. Deixemos que ele seja antes de tudo homem.
Finalmente, isso deve ser dito claramente: a aparente modéstia do escopo dessa investigação é qualidade da “superimposição cósmica” em funcionamento, e não do investigador. Estamos lidando com dimensões cósmicas, medidas em “anos-luz”, não em segundos.
REICH, Wilhelm. Éter,Deus e o Diabo seguido de A Superposição Cósmica. São Paulo: Martins Fontes. 2003